terça-feira, 7 de abril de 2009

PIMENTA NO KIBE CRU É COLÍRIO



















O Kibe, está muito presente na história da minha familia. Diz "a lenda" que meu bisavô gostava tanto dessa iguaria libanesa que até colocou nas filhas nomes dos ingredientes dessa receita.
Minha vó que era a mais velha chamava-se Saluwa, algo parecido com salvia e minha tia avó, Alia, cujo temprero de origem está mais claro. "A lenda", que prefiro chamar de Renato, meu pai, é um descendente de italiano que quando ingressou na familia de minha mãe aprendeu a fazer kibe, minha mãe era filha de um homem de sangue português, Romeu Vaz Raymundo com a sírio-libanesa Saluwa Neheme, mas que nos áureos tempos dos cartórios brasileiros virou Neme. Quando a familia viajava para São Gabriel, cidade gaúcha conhecida como terra dos marechais, era certo que em algum dos dias teriamos o kibe da familia no cardápio. Nessa época quem fazia o quitute era minha mãe, mas meu pai estava ali, sempre pronto para o que precisasse, e foi se tornando cada vez mais apto ao preparo da receita. Geralmente uma grande festa, movimentava toda familia, pois os mais novos que ficavam em volta querendo comer, eram colocados no serviço, fazendo bolinhas com a massa crua para fritar.
O tempo foi passando e estas festas foram acabando, primeiro veio a morte de minha mãe, depois chegou a vez do meu avô ir embora, por último minha avó com nome de tempero, pegou a estrada para encontar sua filha mais velha e seu marido.
Coube então a Renato Toscani, não deixar a receita morrer, ele junto de meu tio e padrinho Gilberto Neme Raymundo, vez ou outra marcavam um almoço dominical para que pudessemos recuperar um pouco do tempero e da alegria que fomos perdendo aos poucos. E com o tempo ela ressurgiu, e passados muitos anos os raros encontros foram ficando cada vez melhores, eram poucos sim, mas muito felizes. Num desses encontros já estava namorando Lucia, estávamos em Santa Maria, e gatinha disse, que desde que começamos a namorar eu nunca tinha lhe mostrado o meu kibe, que eu era um sírio-libanês de araque, veja bem, não é turco, é sírio-libanês.
Já havia pedido a receita para o meu pai inúmeras vezes e realmente nunca tive coragem de executa-la, mas nesse dia Lucia disse:
– Aprende a fazer. Olha bem pra depois fazer lá em casa.
Já morávamos em São Paulo e namoravamos há uns quatro anos, e nada de eu mostrar o kibe. Mas nesse almoço fiz meu workshop de kibe, graças a suave pressão de gatinha, e muito atento a aula pergunto ao meu tio beto:
– Tio como faço o kibe cru?
Toda familia que ali estava começa a rir.
Então meu tio responde:
– É só não fritar.

Moral da história:
Depois de sete anos de namoro, presenteei Lucia com meu kibe, no seu aniversário de 28 anos.

3 comentários:

  1. velho, tu é um contador de histórias! além de fazer um kibe animal, marcar compassos com destreza e bater chapas que só olho tão bem percebem tens um dedo de contista. muito boas de ler as tuas "receitas"!

    saudades da compania do amigo.
    um abraço! pedro.

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  2. tosca, nao posso mais ler os posts. fico comovida ; ( eu acho que nunca vi nenhum colunisa de culinária fazer tão bem a ponte entre paladar, memória & afeto. vc é melhor que nina horta - pronto, falei! se eu fosse do ramo, já te deixava pautado prum livrinho ilustrado e te convidava pra colunista on-line. bjs

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  3. olha a coincidencia...meu nome é renato Brustoloni toscani...adorei seu texto...famílias fazem uma falta danada...Bons momentos não deveriam acabar...Falta sensibilidade nos dias de hoje, muita concorrência e opouco amor. Felizmente, ao ler seu texto, senti-me tocado pela doçura da narrativa de bons momentos, pelo ardor da saudade e pelo tempero apimentado do amor. parabens

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