segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Churrasco com Grelha

























Já se passaram 48 horas e só agora consegui achar o prato que homenageia São Paulo. Mentira, não encontrei nada, fiquei desde o sábado dia 25 quando acordei até esse momento enquanto voltava da rua com a minha cachorra, pensando e nada.
Enquanto escrevo na minha sanduicheira chia uma torrada simples, ou misto-quente como chamam por aqui, mas lá no Rio Grande do Sul, não se esqueça, peça uma torrada.
Eu realmente não sei que comida representa São Paulo, no meu google coloquei na busca "prato preferido de Adoniram Barbosa", veio um monte de coisa e um monte de botecos.
Então pensei na minha chegada aqui.
Pera aí, a torrada ficou pronta.
Quanto eu cheguei aqui, caminhando pela Sé, minha namorada me mostrou um churrasco grego, o preço e a enorme popularidade que este tem me deixaram perplexo, depois de ver é que o aroma chegou em mim. E com ele todo o fascinio, quando passava por uma máquina no centro, no Largo da Batata ou no Largo 13 onde fui trabalhar, prometia para mim mesmo, como se eu visse uma mulher muito gostosa... "Um dia eu vou te comer".
Mas de que adianta fazer uma receita de churrasco grego? Esse a gente tem que comer na rua, temperado com todo monóxido da metrópole. Fazer isso em casa seria uma heresia. Pensei então na clássica frase paulistana, "um chop's e dois pastel", porém, todo mundo sabe como fazer um pastel, e vale o mesmo, que graça tem de comer senão quentinho da feira, até dá pra pegar na feira e comer em casa, mas a graça toda tá na feira.
Pensei também em pão na chapa, mas esse tinha sido o meu post anterior. Cheguei a ficar brabo comigo mesmo por isso... Podia ter segurado o post na gaveta e soltado no dia do aniversário de São Paulo, essa coisinha tão simples, mas que só conheci nessa maravilhosa cidade que acha que padaria é templo sagrado, e Deus abençoe a farinha, os ovos e os portugas, porque aqui sim tem padaria boa. Nosso amor foi ficando cada vez mais forte alí sentindo o cheiro da manteiga.
Então parei e pensei, quando vim pra cá fui fazer minha primeira assistência em fotografia na Vila Leopoldina, na pequena Rua Quiari. Conheci o fotógrafo, trabalhamos um pouco, daí chegou a hora do almoço. Saí e fui em busca de uma padaria, com muito pouco dinheiro no bolso procurei algo na padaria Leopoldina que estivesse dentro das minhas posses. Ouvi anjos cantando no meu ouvindo fazendo aquele coro, "ÓOOOOOOOOHHH", quando li no cardápio, churrasco no pão com queijo. Imaginei uma costela, três ripinhas só, um pão cacetinho com um queijinho derretido, mas chega o prato inox com um pão francês cortado no meio, dentro um contra-filé com queijo derretido, e antes que eu pudesse reclamar, me dei por conta que eu estava em São Paulo, até porque o pão no Rio Grande do Sul é horrível... Comi e nos amamos, um lanche muito gostoso, barato que virou meu companheiro nesses 12 anos de Ipiranga com São João. Se estou numa padaria e me encontro numa pequena dúvida, churrasco no pão!
Não existe outro sanduiche, agora virou até controle de qualidade, se visito um lugar pela primeira vez, peço um churrasco no pão e uma limonada suíça. No entanto, ainda assim não é o prato que representa São Paulo.
Foram 23 anos morando em Santa-Maria, cheguei aqui num 20 de setembro, dia do gaúcho. Lá em Santa-Maria poucas vezes me atrevi a assar um churrasco, todo mundo aqui olha pra um gaúcho e pensa 3 coisas, toma chimarrão todo dia, é gay e sabe assar um churrasco.
Pois, nem todo gaúcho sabe assar um churrasco.
Quando eu fiz 10 anos meu pai resolveu me ensinar o ofício. Não tive sorte, derrubei a linguiça no fogo, aliás, ele me deu essa culpa, tirava sarro de mim, mas até hoje acho que foi ele que derrubou, ficou com vergonha e passou a bola pra mim. Perdi a confiança, meu irmão se tornou assador.
Com meus amigos, eu fazia o carreteiro no acampamento, mas o churrasco tinha quem cuidasse. Luiz Fernando, Alemão, esses eram os assadores. Todo ano quando eu voltava para as festas de fim de ano, ou alguma visita no meio dele, meu pai oferecia uma ovelha e meu sogro também, quando meu pai me via me ensaiando pra assar já sabia que algo podia dar errado. Mas eu dizia...
– Calma pai, já chamei o Luiz Fernando...
– Mas bah, o Luiz Fernande é um baita assador!
Noutras dizia que quem ia assar era o Alemão...
– Ah não, então tamo tranquilo...Se é o Alemão tá loco de especial!
Eu, bueno, eu ficava de canto, assistindo, depois tomava cerveja e jogava um truco, mas sempre afastado da churrasqueira. Depois que vim pra São Paulo me apaixonei também pela cachaça, daí ficou pior... Porém sempre contei com bons amigos e bons assadores, meu irmão e meu concunhado Giovani, que na casa dele tomava conta de todo jantar, coisa bem boa o churrasco do Rodrigo e do Gi. Até minha sogra é boa assadora. O que não é novidade pra quem cozinha bem.
Essa seria minha sina! Um gaúcho que não faz churrasco!
Porém São Paulo tem seus mistérios, e numa mudança de apartamento ganho um último andar e uma sacada. Toda sexta-feira o cheiro do boteco da esquina vem subindo as escadas, vem se entranhando devagarzito e traz aquele aroma do churrasco.
Chega a hora de comprar uma churrasqueira, a minha churrasqueira. Compro. Na verdade tento dar um golpe num irmão, aquele irmão que a gente escolhe, o amigo Cairale. Acho que consigo, ele que paga a primeira churrasqueira.
Agora vem o difícil, assar o churrasco.
Então aparece um outro grande amigo.
Fábio Dias, esse entende do riscado, ele é do tipo que faz fogo com água, conhece todos atalhos do churrasco. Fábio me ensinou do fogo, ao tempo de girar a carne, até o fim, lavar os espetos, essa parte ainda não tenho total domínio, "mas vamo tentiando" como dizem nossos patrícios.
Por falar em espetos, o curioso é que aqui nem todo prédio tem churrasqueira, mas toda churrasqueira tem uma grelha. Eu gaúcho que sou, sempre tive preconceito com a grelha. Onde já se viu? Churrasco se faz é com espeto.
No primeiro aninho de Alice, chegamos no salão de festas do prédio e só tinha grelha, saí em busca de tijolos, comprei e caminhei um quarteirão com 12 tijolos para travar os espetos...
O Giovani que assou e ficou bem bom, e os tijolos foram bem úteis. Porém um dia me vi sozinho, com poucos espetos e uma grelha, não tinha a sabedoria missioneira de Fábio Dias, então peguei uma fraldinha, que no sul chamamos de vazio, e debrucei toda peça na grelha, imaginei que o capitão Rodrigo Cambará ia aparecer num sonho querendo acertar as contas e fazer a pernita do R na minha cara, nesso momento eu diria...
– Vai primeiro na casa do Jayme Monjardim e faz um estrago nele do tamanho que ele fez com a obra do Érico Veríssimo.
Pois é, achei que a grelha ofenderia todo o Rio Grande, que eu não poderia mais colocar os pés no aeroporto Salgado Filho. Mas que a carne ficou boa, isso ficou. Fábio Dias chegou a dizer que aprendeu isso comigo, o que é uma grande honra, o aluno surpreender o mestre.
Nessas 48 horas que pensei qual seria o prato típico paulistano, penso, penso e chego no churrasco, pior, na grelha usada pelos irmãos da região sudeste. Hoje, nesse um ano e meio de casa nova, estou na quarta churraqueira de lata, uma aqui em casa e duas espalhadas, a outra perdeu o fundo. Tenho também 4 grelhas, 12 espetos simples e 4 espetos duplos, no mais perdi as contas de quantos rebanhos assei.
Mas o melhor nessa São Paulo foi esse dia 25 de janeiro de 2014, aniversário da cidade, minha amiga Simone me faz um singelo apelo, "vem fazer um churrasco aqui em casa, precisamos de um churrasco".
Pois é gauchada, São Paulo fez de mim um assador, um churraqueiro sem preconceitos, sem medo de usar a grelha, botando na brasa muito mais amor que ainda insistem em dizer que não tem por aqui. Feliz aniversário São Paulo, a cidade plural, que não sabe fala os plural, mas onde todo mundo é mano! É nóis!
  
Ingredientes: 
• Grelha 
• Fraldinha 
• Sal grosso

Modo de preparo: 
Faça o fogo na sua churrasqueira, depois coloque sobre a grelha a peça de carne, não coloque o sal. Depois de assar um pouquinho, vire e adicione o sal, deixe a parte sem sal virada para o fogo. Vire novamente e adicione o sal. O resto é churrasco, vá no seu instinto, todo mundo tem, só o gaúcho que acha que tem mais... 

 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Criolo tá errado!





















No dia 15 de janeiro de 1966, Renato Luiz Toscani casou-se com Roselene Neme Raymundo. Se amaram muito, e ainda se amam. Renato ficou viúvo.
Hoje estariam comemorando 48 anos desse amor.
Também hoje uma senhora caiu na rua, em frente a padaria onde comi meu primeiro pão na chapa, algo desconhecido para um gaúcho. Foi um tombo feio, e ela tinha acabado de sair de uma ótica e o seu óculos estragou.
Levantei a senhora, sentei ela no banco da padaria, entrei como se o lugar fosse meu. Pedi um copo de água mineral, gelo, tirei os lenços umidecidos da minha bolsa, enrolei um gelo no lencinho e coloquei na sua testa.
– A senhora segure assim com o lencinho, para não queimar a pele, vou ali na farmácia comprar um band-aid e já volto.
– Nossa, obrigado moço, mas não precisa se preocupar...
– Não deixo a senhora sair daqui até que esteja se sentindo muito bem! Já volto!
– Por quê você é tão bom?
– Meu pai e minha mãe me ensinaram isso...
Deixei ela por uns isntantes e voltei com água oxigenada, gaze e o band-aid, acompanhei ela até a porta do banheiro e entreguei o que acredito ser o kit de sobrevivência para as estranhas ruas de São Paulo. Logo em seguida ela voltou...
Contou que tinha operado um olho da catarata e que estava com medo de que tivesse batido o olho e estragado todo procedimento.
Sentamos, um de frente pro outro.
– Está muito inchado?
– Menos do que quando a senhora chegou aqui...
– Estou com medo...
– Nada, a senhora foi bem rápida, colocou as mãos na frente. A senhora mora perto?
– Sim, logo aqui em frente...
– Quer ficar com meus óculos? Fico com seu endereço depois eu pego...
– Não, não precisa, tenho outros em casa, um até é maior, mas tinha acabado de sair da ótica...
– Bueno, precisando...
– O que você faz da vida além de ser bom-samaritano?
– Eu sou fotógrafo...
– Humm...E não vai me dizer quanto gastou comigo?
– Não!
– Você foi meu aluno?
– Não. não sou daqui, sou gaúcho...A senhora é professora de que?
– De literatura na USP...
– Uau, gosto muito de literatura...
– Então pelo menos escreva seu nome e endereço para que eu possa te enviar um livro meu...
– Opa, isso eu faço!
– Toma, eu tenho caneta...
– Bom quando a senhora estiver se sentindo melhor me avisa que eu te levo pra casa...
– Até isso?
– Pois, não vou deixa-la sozinha.
– Bom, podemos ir...
– Ô Cláudio, quanto deu a água?
– Pelo menos a água eu posso pagar né?
– Pode...
Saímos da padaria e caminhamos alguns poucos passos e chegamos na casa da professora.
– Obrigado!
– Que é isso...Nem precisa agradecer.
– Vou te mandar meu livro...
– Ah, isso precisa, hahahahahahaha...

Ela foi embora, e eu voltei.

Ontem, ajudei outra pessoa na rua.
A rodinha do carrinho de compras dela tinha quebrado, tentei resolver com uma das borrachinhas que envolvem minhas geleias, mas não deu certo.
Daí me ofereci para caminhar alguns quarteirões com as compras.
Só me deixou levar o carrinho, mas deixei ela em casa.
Pois é, estou sentindo que em 2014 estou deixando de ser "para-raio de loucos" e me tornando "para-raio de pessoas que precisam de ajuda" e estou muito feliz com essa promoção, com essa subida na carreira. Foi difícil ser "para-raio de loucos por 34 anos"...
Meu pai e minha mãe não me deixaram muito dinheiro, no entanto me deram muito amor e educação, e esse é o maior presente que posso dar no aniversário de casamento deles, mostar que aprendi e passar adiante seus ensinamentos. Acho que Alice vai fazer melhor do que eu.
O mais legal é que meu pai sempre foi o pão e minha mãe a manteiga, nasceram um pro outro.
Que em 2014 por mais simples que seja a sua receita que não falte nela nem amor e muito menos sabor. Pouco importa quantos pães e quantas manteigas você vai experimentar na vida, ou se nunca vai deixar de experimentar outras ou outros. Já eu continuo fiel a uma marca e por mais que às vezes não esteja do meu agrado e um pouco rançosa, tem dias e na maioria deles o sabor é inigualável, irresistível, insuperável. Afinal de contas, ela ainda é minha marca predileta!
Então feliz 2014, pois com amor, outros felizes virão!

Ingredientes:
• pão
• manteiga
• chapa ou frigideira

Modo de preparo?
Se liga no Stevie Wonder!