quinta-feira, 23 de maio de 2013

A comida fala













Alguém já falou isso, a frase não é minha. Eu só percebi depois que ouvi. E ela fala mesmo.
Alguns pratos são mais fáceis de perceber. Na carne, o barulho da gordura fervendo na forma é o alcagueta, o dedo-duro, o acusa Cristo. O frango é o mais fiasquento.
Quando ela não fala, dá outros sinais.
Na carne com osso, o osso fica bem aparente, quase descolando dela.
O macarrão, pronto, gruda na parede.
Não acredita?
Pega a massa, um fio apenas, joga, se ele ficar grudado está cozido.
No entanto se bater e ir caindo aos poucos,  tá al-dente.
O negrinho, ou brigadeiro, desgruda da panela. Muitos doces, a gente percebe o ponto desse jeito.
Outro caso é a geleia, muito comentada nas redes sociais. Principalmente nas minhas. Só nesse blog, temos no mínimo três receitas.
A base, é sempre a mesma.
Como vocês podem notar, aqui, aqui e aqui.
Mas e o ponto?
A geleia fala?
Sim ela fala! E é aí que está todo o mistério.
A de morango é a mais fácil, tigelinha com água, deixa cair uma gotinha, se ela cair densa na água, sem se espalhar, é esse o ponto. Desligue o fogo.
A de pimenta, não funciona assim...
A de pimenta com abacaxi, tampouco...
Cada uma emite seu som, faz sua música.
A Vergonha Alheia Própria Produções, cansada e acima de tudo prescisando manter a média e o compromisso de um post por semana no blog e um vídeo quinzenal, aprensenta...
"O Canto da Geleia de Pimenta com Abacaxi"
Um bom filme a todos.



Caso você não tenha tal sensibilidade para perceber o ponto de uma geleia pelo ouvido, siga encomendando as minhas por e-mail (ricardo.toscani@gmail.com), facebook, instagram, (toscanhoto), ou ao vivo, agora, nesse sábado, dia 25/05, no Cafofo. E de quebra pode sentar com a Camis e a Drika e dar uma força na peruca.



segunda-feira, 13 de maio de 2013

De quando se perde a mãe, digo, a mão...
















Cozinhar é estado de espírito, se tu não tá legal, não há talento no mundo que deixe tua receita maravilhosa.
Foi assim que aconteceu com a minha primeira geléia de laranja.
Cozinho no meio de reunião, entre diálogos acirrados e ideias contrárias. Seguia passo-a-passo, uma receita do site Tudo Gostoso, complementada com as dicas da minha sogra.
No entanto, a energia que colocava na faca, trazia muito daquela conversa da cozinha. Na mesa as palavras tentavam buscar soluções, falava, ouvia, e tudo o que se passava na cabeça ia direto para os ingredientes.
Nesse momento, uma outra coisa veio na minha cabeça, vi a nítida imagem da minha mãe, voltei no passado. Minha máquina do tempo? Uma faca e uma laranja por ser descascada.
Lembrei, melhor, vi a minha mãe no sol, num sol de inverno, daqueles feitos para se comer laranjas. Eu do lado dela, provavelmente com 8 anos pedindo que ela descascasse uma laranja para mim.
A professora Roselene, nunca perdia a oportunidade de ensinar, talvez por ser tão sábia, já antevia que iria viajar muito cedo, e deixar os filhos por aqui...
– Mãe, descasca pra mim?
– Não! Tu tem umas lindas mãozinhas e uma cabecinha brilhante, descasca tu.
Toda vez que eu descasco uma laranja lembro da dona Roselene, linda sempre, com uma ironia tão doce, assim como a laranja. Um azedinho repleto de frutose.
Outro exemplo lindo da sua ironia era quando meu irmão, xingava, brigava, fazia o rebelde sem causa e dizia que ia fugir de casa.
Minha mãe, não deixava de acreditar no filho, sabia que ele sim poderia fugir de casa a qualquer momento, afinal, já tinha emprego fixo, sabia dirigir, era um espírito livre...Com seus 10 anos.
– Mano! (dizia ela)...Eu coloquei umas cuequinhas na tua mochila, acho que tu esqueceu e pode ser que tu precise...
Diva!
Aprendi a importância de lavar ou secar uma louça, (tá mãe, não vou mentir, acho secar a louça um serviço inútil), arrumar a própria cama, fazer os docinhos do meu 10º anivesário.
Treinou seus quatro filhos para serem bem mais que rostinhos bonitos.
Para as meninas a independência. Nunca depender do marido, ganhar seu próprio dinheiro.
Para os meninos, o não machismo, saber cozinhar, ajudar na tarefas domésticas, deixar uma cama bem esticadinha. E não "socar" as roupas dentro do ropeiro, nem enfia-las embaixo da cama para sair rápido para brincar...Eu e meu irmão até poderiámos fazer isso. Ela fazia vista grossa, mas quando chegávamos da rua, aparecia tudo bem pior do que haviamos ardilosamente deixado.
Já são seis laranjas descascadas, o que me faz entender o elo dessa fruta comigo e com a dona Roselene. Cada volta na casca traz uma história, uma visão de 12 anos juntos, dos quais lembro perfeitamente de 8...E ainda vejo o descasque de laranja perfeito de minha mãe.
Ela falava que a gente tinha que girar a casca falando todo abecedário, e na letra que arrebentasse, seria a letra inicial do amor da vida.
Coincidência ou não mãe, deu "L", a maioria das vezes...
Coloco tudo no fogo. A reunião acaba, soluções, ainda não encontramos todas...Vamos lutar, levantar a cabeça e descascar qualquer problema, como tu me ensinou a fazer com uma simples laranja.
No fim, a geléia ficou dura.
Perdi o tempo, passou o ponto, mas mesmo assim, muito saborosa.
Entendi hoje, olhando para geléia no pote, que as vezes a vida não é bem como a gente quer, e eu queria muito ligar para minha mãe ontem, e dizer o quanto a amo... Mas ela foi sem deixar o telefone. Só que a geléia que deu errado, que num certo momento saiu do curso que eu queria, vai virar uma bala deliciosa, um caramelo azedinho e doce...
Assim é a minha vida. Perdi minha mãe. Mas ganhei um pai que é uma mãe, irmãs que são mães, irmão que é mãe, tias que são mães...E a casca da laranja me trouxe a Lucia que depois me deu a Alice, minhas doces e saborosas balas!
Mãe, onde tu estiver, saiba que cada laranja que descasco é um beijo que nos damos!
Te amo!




INGREDIENTES:
• 12 laranjas
• 1 Kg de açúcar
• 1 copo de água 
• 1/4 de gengibre picado
Para o modo de preparo, tire a casca de 3 laranjas e corte em tirinhas finas, depois faça o suco de 6 laranjas. O passo seguinte é aproveitar a polpa das laranjas, sem perder o suco, (tire qualquer forma de bagaço, na próxima vez usarei só os gominhos).
Um passo muito importante é dar um banho nas cascas da laranja, já em tirinhas, em uma panela. 
Dê uma fervura e jogue esta água fora. 
Depois coloque tudo na panela. Eu acrescentei o gengibre.  
O ponto eu não sei, porque se você leu o texto acima, sabe que eu perdi o ponto.