domingo, 3 de maio de 2009

CONTO DO VAZIO
















Sempre que há um convite para um churrasco, levo uma costela ou um vazio, também conhecido como fraldinha. Gosto muito de carne com osso, alías, gosto é do osso, sou que nem cachorro.
Mas essa carne, o vazio, é especial porque é uma carne macia, tem umas gordurinhas necessárias para ressaltar o sabor, e no boi; fica bem perto da costela de ponta de agulha, que acho a mais saborosa entre todas. No entanto o vazio além de ser barato, principalmente se comparado a uma picanha, que geralmente é a estrela de qualquer churrasco. Só que o vazio é o coadjuvante que rouba a cena em um filme e saí com a estatueta.
Minha história com essa carne vem dos churrascos com a gurizada, tanto a turma mais velha, a minha antiga banda travelling band, onde eu cantava, tocava gaita de boca e guitarra slide. Ou na turma da jogatina, pessoal que me ensinou as artimanhas do truco, bisca, escova e claro super nintendo.
Sempre que desço para o Rio Grande do Sul, dou um jeito de me juntar com esse povo, para recordar as bobagens e aprender novas malandragens do churrasco. Nem sempre consigo juntar todo mundo, mas sempre consigo me divertir muito com todos que aparecem.
Volto ao vazio, não o da vida, pois quem tem familia e amigos, tem conteúdo.
A história do vazio está ligada a esses dois elementos, familia e amigos.
Era dia 06 de fevereiro de 2003, aniversário do meu estimado amigo Cairale Wolf.
Nesse dia meu também amigo, e pai, Renato Luiz Toscani, fez para o almoço a peça de carne que me refiro nessa história. Comi incontáveis, suculentos e macios pedaços de carne. Enquanto comia perguntava ao meu pai, o que ele tinha feito. Porque aquele vazio estava daquele jeito?
Ele me responde com um sorriso de satisfação no rosto, algo que não sai da minha memória.
– Filho, experimentei algo que tinha um pouco de preconceito, esfreguei a casca de mamão na carne e deixei repousando de ontem pra hoje.
Cara não cuspi o pedaço de carne de minha boca em respeito ao meu pai e ao animal que eu mastigava, pois eu odeio mamão. E acreditem, mastigava pensando no mamão maculando a carne na noite anterior, tentava perceber o gosto e nada, a única coisa que essa fruta nojenta fez, foi deixar o pedaço de vazio, dourado e muito, mas muito, macio.
Após mais alguns pedaços depois da revelação, o almoço acabou.
Fui fazer nada, pois haviam se passado cinco dias desde minha formatura na faculdade de desenho industrial, habilitação em programação visual. Na agenda da tarde, um cafézinho, jornal hoje, video-show, novela, sessão da tarde, e só as 21 horas um futebol. O último da faculdade, os bixos tentavam nos vencer, nosso time era ruim, mas jogavamos rindo, o que sempre garantia nossa vitória. Tinhamos claro, três ótimos jogadores, Danico, Fred e Gorski, mas nem sempre contavámos com todo elenco.
Já tinha assistido toda programação da globo, por mais incrivel que pareça, até malhação. Meu telefone toca, era Cairale, dizendo que era seu aniversário e ele ia pagar algumas cervejas para os amigos, ele avisaria alguns, se eu pudesse avisar outros, e eu os encontraria depois do meu futebol.
Passada a atarefada tarde, 19 horas, duas antes do meu jogo, ataco a geladeira. Já uniformizado, com meias vermelhas, calção branco adidas, do Sport Clube Internacional, camiseta branca, tênis bege e sujo.
Retiro a sobra do almoço, esquento, e como sozinho os últimos dois pedaços de carne.
Chego no ginásio vazio, aqui não me refiro a carne, ás 20:30hs, fico aquecendo, chutando bola, correndo em volta da quadra. Chegam os primeiros colegas e adversários, mais aquecimento. Toca o sinal, todos já em campo, exceto nossa grande contratação para esse jogo de comemoração, nosso professor e patrono André Dalmazzo, mas como nosso time sempre foi superior resolvemos começar com um a menos mesmo.
Em todos os jogos eu começava como goleiro, no entanto, nesse optamos por colocar nosso melhor jogador nas traves, pois ele cumpriria dupla função.
Começa o jogo, bola para Ricardo Toscani, ele recebe na direita, dribla, corta para sua perna esquerda, vê o caminho livre, chuta em gol, e é Gooooooooool, sem chances para o arqueiro Gibran, que grita desesperadamente com seu time. Os bixos reagem, e empatam. Saída de bola os veteranos vão ao ataque, nunca perderam, não será desta vez, escanteio confusão na área, o goleiro do nosso time está no momento cumprindo a função de centroavante, bate e rebate, a bola cruza caí nos pés de Diego Quick, que vê a goleira oposta sem guadião e chuta, Ricardo Toscani vê a bola a caminho do gol, os bixos vão virar o jogo, corre, sente que não vai alcançar, pula, voa, aterrisa numa inofensiva pocinha de suor e escuta um estalo, um creck. A bola entra, os bixos comemoram, 15 minutos de jogo, 2 x 1.
Toscani no chão, seu pé caído, está para o lado, ele olha, vê sua situação e sem dor começa a gritar deseperadamente.
– Puta que pariu, que cagada, que cagada, puta que pariu, bah, que cagada, puuuta que pariu!!!
Danico, recolhe a bola do fundo das redes e diz:
– Não dá nada Tosca, vamos ganhar desses caras.
– Não vamos não, olha pra baixo.
Daniel, um bom amigo, olha para o chão e diz com a voz trêmula:
– Não foi nada. Viu!? Não foi nada.
Sua fala tentava esconder o que seu rosto denunciava. Parecia fratura exposta.
Correria, uns querendo que eu levantasse, as meninas apavoradas, eu praguejando, um outro louco dizendo que estava de carro, que eu podia levantar e eles me carregavam. Felizmente eu acompanhava aos domingos uma série do doutor Dráuzio Varella no Fantástico, ele claramente sempre dizia, nunca remova um paciente com uma fratura, espere o socorro chegar.
Ele chegou, depois que meu estimado colega e herói Marcos Pinho, saiu correndo da quadra em busca de ajuda. Era uma médica de apararentemente 35 anos, linda, não sei se pelo medo eu via na sua figura loira, um anjo me resgatando do inferno, Santa Maria é muito quente no verão.
Ela pergunta:
– Evitou o gol?
– Não.
– Que bom, pois se tivesse evitado teria uma fratura exposta, precisava só um pouco mais de velocidade.
Sou levado para ambulância, com a perna já imobilizada, chego no hospital, sou apresentado ao primo da morfina, um cara que ficou muito meu amigo durante toda semana que fiquei no hospital. O nome dele? Nubain. Santo remédio.
Foi uma bela fratuta, o rapaz do raio x inclusive perguntou se eu já havia feito isso antes. Respondo que não, nunca tinha fraturado nada.
Ele com todo sarcasmo gaúcho me diz.
– Tu é bem bom nisso. Hein!?
– Obrigado.
Ainda puxando assunto ele pergunta:
– Quem foi o cavalo que fez isso contigo?
– Eu mesmo.
– Hum.
Vou pra sala de emergência, lá sou atendido pelo doutor Bissacot. Ele já me pergunta:
– Então colorado, tu comeu alguma coisa?
– Uma duas horas antes do jogo comi dois pedaços de carne, foi um vazio, se interessa saber.
– Maizá gaúcho! Mas é o seguinte, com esses teus dois pedaços de carne no bucho não vai pegar a anestesia.
– Bah doutor, o senhor tá brincando?
– Não, não estou...
– Então como se faz?
– Não te preocupa, vou fazer tu dormir. Enfermeira, dilua 4 comprimidos de Valium e coloque numa seringa.
Levo a picada no braço enquanto falo um número de telefone para o meu amigo Fred. Minhas últimas palavras foram:
– Nove, nove, zove...roooooonc.
Meu pobre amigo Cairale ficou com a fama de nunca pagar cervejas no seu aniversário, pois eu não consegui avisar ninguém, e acho que quem ele avisou pensou que era mentira, e lá ficou ele, bebendo sozinho no bar.

3 comentários:

  1. Amigo tosca, foste corajoso quando o médico agarrou tua perna e encaixou no lugar como se fosse um boneco dos Comandos em Ação.
    Partida suspensa...Invencibilidade garantida.

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  2. Meu caro amigo biônico,
    parecia q tinha 2 pés ... um pra cada lado ... q feiura.

    Mas, qdo vieres pro Sul ... marcamos mais uma batalha para defender a nossa legitima e inegável invensibilidade.

    Abração, Danico

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  3. Barbaridade, tem detalhes aí que eu nem sabia! Legítima história para contar para os netos. E se eles duvidarem, tem o raio-x do bone piercing pra provar! Abração!

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